Juros nos EUA ficam no centro das atenções do investidor da Bolsa brasileira no curto e médio prazos
O aumento dos rendimentos dos títulos do tesouro norte-americano, os treasuries yields, vem causando impacto na Bolsa brasileira, drenando grande parte do fluxo de capital estrangeiro nas últimas semanas e fazendo com que o Ibovespa ande praticamente de lado, sobretudo desde o mês passado.
A perspectiva de taxas altas por longo período nos EUA acaba pesando negativamente no sentimento dos investidores comprados nos ativos por aqui, o que não deve mudar nos próximos meses, dizem especialistas. Por isso, a reunião, o comunicado e a ata da próxima reunião do Fed serão decisivos para o comportamento do Ibovespa no curto prazo.
Desde o final de agosto, a Bolsa brasileira ficou estacionada mesmo quando houve o avanço de questões internas. No dia que sucedeu a aprovação do arcabouço fiscal, por exemplo, as taxas dos DIs brasileiros subiram e o Ibovespa caiu, acompanhando a curva americana de juros após Jerome Powell trazer falas mais duras no simpósio de Jackson Hole.
As sinalizações mais hawkishs, do BC americano, portanto, vem sendo um dos principais motivos para recente alta dos rendimentos dos treasuries. Fora elas, o fato de o Tesouro norte-americano ter feito esforços para recompor o seu caixa e o downgrade da nota de crédito do país pela Fitch também ampliaram o sentimento de aversão ao risco.
Bolsa: Alta do petróleo piora ambiente
Não bastasse tudo isso, veio a disparada do preço do petróleo. Pouco antes disso, em seu relatório de gestão do mês de julho, a Verde Asset acendia o alerta de que uma alta do petróleo muito forte também poderia impulsionar as taxas por lá – e conter o ânimo do mercado brasileiro.
Durante os últimos dois meses, o Brent subiu de forma praticamente ininterrupta, acompanhando anúncio de cortes da Opep+. O preço do petróleo acaba impulsionando a inflação, uma vez que a commodity tem importância grande na economia mundial – e os treasuries também reagiram a isso.
Nesta quarta-feira (13), o CPI (índice de preço ao consumidor, na sigla em inglês) – principal índice de inflação visto pelo Fed – teve alta de 0,6% em agosto na base mensal, dentro do consenso mas acelerando frente ao ganho de 0,2% em junho.
Entre os itens que mais puxaram o dado para cima estava, justamente, o petróleo. Entretanto, os números reportados não devem alterar os planos do Fed, segundo especialistas.
De olho na inflação e nos juros americanos
Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset, destaca que os dados de inflação publicados na véspera foram marginalmente negativos.
“O número de ontem (dia 13) talvez dê força à uma pausa das altas, mas também deixa uma porta aberta. Deixa um pouco de incerteza… A discussão, que é boa, será quando a taxa (de juros nos EUA) irá começar a cair. Isso ficará em evidência na próxima semana”.
“Na questão do petróleo, com a China decepcionando (na economia) e os EUA com toda essa questão de juros, era esperado uma queda dos preços. Só que tivemos, do outro lado, a Opep+ cortando produção. É uma questão mais de oferta”, completa Lima.
“De qualquer forma, muda o cenário para preços de ativos. O que mais respondeu a esse novo cenário é o câmbio. O real depreciou. A taxa de juros brasileira também acompanha a incerteza do Fed. No entanto, não temos respostas. Há questões internas, como a fiscal. Temos de acompanhar”, fala o especialista da Western.
Abalo nos mercados não é de agora
Alexandre Mathias, CEO da Kilima Asset, menciona que a alta dos juros dos Estados Unidos vem impactando os mercados no mundo inteiro ao longo dos últimos dois anos. “O Fed vem subindo os juros, o dólar se fortalece e os ativos de risco pagam um custo adicional”, pontua.
Se os treasuries yields sobem, cria-se fluxo de capital para esses papéis. Considerados os títulos mais seguros do mundo, quando eles pagam mais, investidores deixam um pouco de lado ações e outros ativos de risco para aportar neles.
O DXY mostra bem como há fluxo para os Estados Unidos nesse caso. O índice, que mede a força do dólar frente a outras moedas de países desenvolvidos, saiu de cerca de 101 pontos no final de julho para os 104,77 atualmente.
Países emergentes, caso do Brasil, costumam sofrer ainda mais. Por oferecerem mais riscos e por comercializarem commodities, que têm as vendas afetadas pela desaceleração econômica causada pelas taxas mais altas de juros.
“A permanência dos juros no atual patamar tende a atrair mais capital para os EUA uma vez que o ativo livre de risco do mundo – título público do governo – remunera o investidor com taxas bastante atrativas, as mais altas em quase 15 anos”, expõe Marcos De Marchi, economista-chefe da Oriz Partners.
“Nas últimas semanas observamos um pouco desse movimento, o investidor global direcionando parte de seus investimentos para a renda fixa americana às custas de alocação em outros ativos ao redor do mundo”.
Em agosto, conforme dados da B3, o estrangeiro sacou mais de R$ 13,2 bilhões, na maior retirada mensal registrada em 2023.
Juros nos EUA como risco
Investidores, contudo, divergem sobre os impactos de uma nova alta dos juros no Brasil.
O especialista da Oriz Partners, enxerga que, no caso de a economia americana não desaquecer e os juros voltarem a subir, é provável que a Bolsa brasileira sofra mais ou fique de lado.
“Se o atual receio de parte dos investidores se concretizar, ou seja, se a economia por lá não desacelerar e a inflação não recuar conforme o esperado, as taxas de juros nos EUA deverão voltar a subir e impactar os ativos de risco no mundo todo, especialmente nos países em desenvolvimento. Como o diferencial de juros entre Brasil e EUA vem caindo, caso esse cenário se realize, a moeda brasileira, assim como os ativos em bolsa, deverá sofrer bastante”, explica.
Guilherme Abbud, sócio fundador e gestor da Persevera Asset Management, do outro lado, enxerga que o impacto de toda essa questão acaba ficando mais no curto prazo.
“Todo mundo está na dúvida do que o Fed irá fazer, uma vez que isso afeta o planeta inteiro. A gente acha que no Brasil, no entanto, essa sensação vai acabar diminuindo e abrindo espaço para o fortalecimento do real, de queda dos juros brasileiros e alta da Bolsa”, expõe.
“Pessoal está acostumado a pensar em diferencial de juros, mas temos também a solvência e a perspectiva de crescimento.”
Copom vai seguir cortando juros
Para o especialista, o fato de a inflação brasileira estar controlada e o país ter apresentado alguma uma melhora da sua situação fiscal criam a possibilidade de o Banco Central seguir cortando juros, apesar de certa pressão vinda dos Estados Unidos.
A queda dos juros, por sua vez, abre espaço para crescimento econômico e diminui os gastos do Governo com a dívida pública, criando todo um cenário mais benigno.
“Existe o temor no curto prazo de impacto nos juros brasileiros com o que acontece nos Estados Unidos. Ao nosso ver, mesmo se as taxas caírem por aqui e permanecerem paradas lá fora, o diferencial ainda é grande. Fora isso, temos essa melhora do cenário, o que nos faz achar que os ativos brasileiros têm mais espaço para avançarem do que recuarem”, menciona.
“O Brasil aumentou os juros antes, a inflação caiu bastante e existe espaço legítimo para corte de juros. Um fiscal mais equilibrado e perspectiva de crescimento mais do que compensam uma redução da diferença de juros. Você vai se livrando dessa boleta e vai atraindo capital com estilos mais sustentável”, acrescenta.
Bruno Marques, cogestor de Multimercados da XP Asset, pontua, por fim, que apesar de uma alta ou uma permanência dos juros em patamares elevados nos EUA, parte dos países, hoje, tem mais dívida em suas próprias moedas – diferentemente do passado, quando elas eram emitidas mais em dólares, o que diminui a dependência dos bancos centrais.
De qualquer forma, mesmo os mais otimistas irão monitorar a questão.
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