Por volta das 14h deste sábado, Lucas Di Grassi veste seu macacão, calça sapatilhas e luvas e coloca o capacete para disputar a etapa brasileira do circuito de Fórmula E no sambódromo do Anhembi, em São Paulo. Versão bem diferente do empresário de camisa social e blazer off-white entrevistado pelo IM Business na quarta-feira, no evento Zero Summit, do qual é fundador. O piloto larga hoje em busca de seus primeiros pontos na temporada, pela equipe ABT.
Em sua passagem por São Paulo esta semana, Di Grassi dividiu seu tempo entre atividades relacionadas à corrida e a participação no evento sobre descarbonização, idealizado em parceria com os empresários Rodrigo Pedroso e Carlos Pellicer no curso de Negócios frequentado pelos três em Harvard e que reúne empresários, governo e personalidades públicas para discutir “a maneira adequada” de se fazer a transição energética. No Zero Summit, realizado na sede da Bloomberg, em São Paulo, estiveram representantes de Stellantis, UCB, BV, Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) e Fórmula E.
Di Grassi é uma das figuras que mais defendem a descarbonização no meio dos esportes. Com passagem pela Fórmula 1, o piloto é embaixador da ONU Para o Meio Ambiente e um dos desenvolvedores do campeonato internacional de alto rendimento com veículos 100% elétricos. Mas, para ele, nada disso é ativismo — nomenclatura que rechaça. O corredor diz que sua posição é “pragmática e racional”.
“Precisamos trabalhar para desenvolver tecnologias como o carro elétrico e a agricultura de captação de carbono, que são capazes de diminuir o lobby e reduzir o incentivo para o mercado de carbono pesado. Se quiserem me colocar como um ativista, é sob o ponto de vista de tentar levantar causas viáveis para a mudança de agora. Mudança que as pessoas e o governo ainda não estão olhando de forma adequada”
Se a ideia é chamar a atenção dos grandes tomadores de decisão, o esporte se mostrou uma boa escolha. “Normalmente, o empresário ganha dinheiro com os negócios e gasta com automobilismo. Eu faço o contrário: ganho com automobilismo e gasto com os negócios”. Embora os silenciosos motores elétricos da Fórmula E não façam o estardalhaço do ronco produzido pela combustão na Fórmula 1, os carros também rasgam a pista a 300 km/h — e atraem cada vez mais público e investidores.
Um laboratório chamado Fórmula E
Regida por regras da Federação Internacional do Automóvel (FIA), a Fórmula E é o laboratório perfeito para que a indústria automobilística desenvolva inovações em um ambiente controlado, com protocolos de contenção de risco e pilotos profissionais capazes de testar o que ainda não pode ir para as ruas.
Em um treino recente, Di Grassi precisou deixar a pista após uma colisão. O motivo? Nenhum carro da Fórmula E possui sistema de frenagem mecânica. Ele é completamente eletromagnético, dependente da bateria dos carros. Se ela falha, não há como parar — tecnologia proibida em veículos comuns por órgãos reguladores. “Lá, no entanto, podemos fazer isso. Levando no limite, conseguimos entender quais são as redundâncias que o sistema precisa”, diz o piloto.
A possibilidade de testar os veículos chamou a atenção das montadoras. Na primeira temporada da categoria, em 2014, apenas uma empresa do setor produzia carros para o torneio. No segundo ano, foram três. No terceiro, seis. Com saídas e entradas, o número se estabilizou, e hoje são oito fabricantes de veículos disputando o prêmio. “As pessoas que há dez anos riam da Fórmula E, hoje dizem que estávamos certos”, diz o co-fundador da categoria, Alberto Longo.
Normalmente, os times de engenheiros que trabalham na Fórmula E fazem intercâmbio com os que trabalham nas linhas de produção das montadoras, o que garante a migração da tecnologia. Softwares desenvolvidos pela Jaguar para seus carros de corrida já são utilizados para reduzir em até 10% o consumo de baterias nas ruas. “O Grupo Stellantis, por exemplo, diz que inovações de longo prazo dos carros de Fórmula E chegam aos carros que nós dirigimos em quatro anos”, afirma Julia Pallet, diretora global de Sustentabilidade da Fórmula E.
Fora das pistas, contudo, a indústria ainda tem muitos problemas para resolver. Uma pesquisa realizada pela consultoria especialista em veículos JD Power, publicada em fevereiro, mostra que 39% dos americanos que compraram seu primeiro veículo 100% elétrico estão dispostos a trocá-lo por um híbrido ou mesmo por uma opção a combustão. O principal motivo para frustração dos proprietários continua sendo a experiência de carregamento – o levantamento registrou uma queda na satisfação com carregadores públicos de 32% em comparação a 2022.
Desafios da eletromobilidade
A empresa de tecnologia ABB é a patrocinadora que dá nome ao evento da Fórmula E desde 2018. Por trás da parceria, estão os movimentos da empresa na linha de eletromobilidade. A tecnologia de carregamento rápido desenvolvida pela ABB, capaz de completar a bateria de um veículo em 15 minutos, já está disponível em grandes centros urbanos. A empresa vem fazendo movimentos no Brasil para promover a infraestrutura de carregamento, como na recente parceria com o Graal para a instalação de 40 pontos de carregamento na rede de conveniências rodoviárias.
“Nos engajamos na Fórmula E porque acreditamos que é necessário desenvolver inovação e tecnologia para um futuro sustentável. A melhor forma de fazer isso é nos desafiando. E o torneio é uma ótima forma de encontrar esses desafios”, diz o presidente global da divisão de serviços de distribuição da ABB, Adrian Guggisberg. Ele argumenta que a competição é uma das maneiras de provar que as tecnologias são viáveis e de dar escala aos mecanismos desenvolvidos.
No Brasil, uma das apostas para consolidar uma infraestrutura de carregamento é a transição por meio dos veículos híbridos. “Hoje, saindo de São Paulo, a dificuldade para encontrar pontos de carregamento se torna exponencialmente maior quanto mais distante da capital. Tem menos infraestrutura preparada”, disse George Fernandes, CEO da produtora de baterias UCB em um painel no Zero Summit. “Os sistemas de transporte perfeito e a infraestrutura perfeita não são uma realidade de São Paulo, o que dizer do resto do Brasil. Sem falar que o custo de bateria [para o 100% elétrico] hoje é altíssimo perto do custo de um veículo híbrido”, explica.
Como segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, o Brasil possui uma matriz energética que privilegia a transição com híbridos, avalia João Irineu Medeiros, vice-presidente de assuntos regulatórios da Stellantis. A empresa anunciou, na última semana investimentos de R$ 30 bilhões no Brasil entre 2025 a 2030, com foco no desenvolvimento de modelos híbridos flex. “Aqui, temos combustível de baixo carbono. Temos hibridização de entrada, média e alta, além do 100% elétrico. É acreditando nesse portfólio adequado à matriz energética brasileira que pretendemos enfrentar o desafio”, aponta.
Uma matriz energética favorável
Somente com veículos flex, o Brasil já emite menos dióxido de carbono (CO2) no ciclo de vida de veículos, desde a manufatura até o uso, do que países como China, Estados Unidos, França, Alemanha e Reino Unido. Também é preciso realçar que o custo de produção de baterias para veículos elétricos é, hoje, restritivo. Segundo Fernandes, devido às altas taxas de juros, um engenheiro brasileiro da UCB precisa ser até três vezes mais eficiente em suas pesquisas que um par europeu para compensar o custo de capital no país. Isso dificulta, por exemplo, o avanço em tecnologias como as baterias sólidas, no centro das discussões sobre reduções de custos dos veículos de passeio.
O Brasil possui minas e reservas de oito dos dez elementos necessários para a produção de uma bateria. Para conseguir dar corpo à produção das baterias para veículos elétricos, porém, é necessário que a demanda pela produção de baterias de lítio em geral aumente. Segundo Fernandes, essa demanda não precisa se restringir aos carros, mas também pode incluir baterias estacionárias, de celulares e laptops. “Se houver demanda de bateria de lítio em larga escala, o custo para produzir a bateria do automóvel vai cair.”
Mas os custos de opções elétricas começam a dar sinais de redução. Após anunciar sua fábrica do Brasil, a chinesa BYD lançou para o mercado, no mês passado, o modelo Dolphin Mini. O veículo de entrada da montadora chega para competir como um dos elétricos mais baratos do país, atrás do Renault Kwid e-Tech, que tem preço sugerido de R$ 99.990, e com preço similar ao Caoa Chery iCar, que custa a partir de R$ 119.990.
Enquanto isso, a vitrine tecnológica da Fórmula E segue aumentando. Para a temporada de 2024, entraram na lista de parceiros nomes como o Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita, a vinícola francesa Taittinger, o Google Cloud e a varejista de roupas Hackett, além de acordos de mídia com TNT e Roku. O evento no sambódromo do Anhembi deste ano já vendeu 19 mil ingressos e a audiência global da transmissão do torneio aumentou, na base anual, 57% nas três primeiras corridas da temporada.
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