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Transformação no mercado bancário: nova regra muda lógica da concessão de crédito

Uma transformação silenciosa está em curso no mercado financeiro brasileiro. Desde janeiro, os bancos começaram a operar sob a Resolução 4.966 de novembro de 2021 do Banco Central (BC), que altera a forma de calcular suas provisões para perdas com crédito, exigindo um olhar mais preditivo para o risco.

Embora a nova regra tenha um prazo de até três anos para implementação completa, o impacto já é sentido e promete mudar, inclusive, a forma como o crédito é concedido para os clientes, sua precificação, cobrança e até o portfólio de produtos oferecidos por estas instituições.

Diante de tantas mudanças, a consultoria McKinsey realizou um estudo que tenta detectar os principais impactos sobre as instituições e determinar quais serão os desafios que elas terão de enfrentar caso não atualizem suas práticas.

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Segundo Bruno Batista, sócio da McKinsey e líder de Crédito na América Latina, a regra do BC muda a forma como os bancos estabeleciam seus riscos na hora de conceder o crédito ao cliente. “Antes, se olhava para trás para fazer uma média da inadimplência para cada produto e assim estabelecer o risco. Agora, a norma exige o uso de novos modelos preditivos para traçar um plano de se evitar problemas para o futuro”, afirma.

O levantamento mostra que um contrato pode ter sua provisão aumentada em até 13 vezes quando se começa a implantação da nova fórmula, migrando para o que eles chamam de Estágio 2. Essa etapa considera sinais dos riscos de cada cliente no futuro, mesmo que ainda não haja uma inadimplência efetiva, só utilizando as novas métricas de avaliação de crédito.

“Isso muda a lógica de gestão e obriga os bancos a parar de olhar apenas para o passado e começar a projetar o futuro, o que inclui novas formas de cobrança, avisos e negociações antes que a pessoa se torne inadimplente efetivamente”, disse Batista.

O que é o provisionamento bancário?

O provisionamento bancário é uma prática contábil onde os bancos reservam uma parte dos seus lucros para cobrir possíveis perdas em operações de crédito, como inadimplência de empréstimos. Essa reserva, conhecida como provisão para devedores duvidosos (PDD), visa proteger a saúde financeira do banco e garantir a sua solvência. 

Com a Resolução 4.966, novas regras estão sendo implementadas para dar maior segurança ao sistema bancário como um todo, evitando que as perdas fujam do controle.

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E o que é a Resolução 4.966 ?

A resolução Conselho Monetário Nacional (CMN) 4.966 de 2021 estabeleceu novas regras contábeis para instrumentos financeiros. A medida foi inspirada nas normas internacionais do IFRS 9 para relatório financeiro. Criada pelo International Accounting Standards Board (IASB), ela estabelece princípios mais claros para a classificação, mensuração e reconhecimento de ativos e passivos financeiros. 

Isso exige que os bancos considerem perdas esperadas ao longo de todo o ciclo de crédito, e não apenas os atrasos anteriores. Sinais como aumento da alavancagem, redução de renda ou deterioração de garantias já podem indicar que a provisão de perdas deve ser antecipada.

“Desde o momento em que o crédito é concedido, já é possível calcular quanto será necessário provisionar no futuro, o que torna o controle mais assertivo”, explica Carla Ioshiura, especialista em risco e sócia da Mckinsey. “Mas também é mais desafiador, porque passa a ser essencial monitorar a rentabilidade por segmento e produto de forma contínua”, explica.

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O estudo da McKinsey mostra que até 60% das carteiras podem ser classificadas no Estágio 2 apenas com base nesses sinais preditivos. Os bancos que adotam modelos analíticos mais sofisticados saem na frente: 81% das instituições que investiram em soluções preditivas melhoraram a efetividade das provisões, de acordo com a pesquisa.

Impactos no crédito

A nova regra também exige uma revisão no portfólio de produtos e nas garantias oferecidas. “Para produtos com garantias mais robustas, o impacto no provisionamento pode ser menor. Isso pode levar os bancos a desenvolverem novas modalidades de crédito lastreadas, ou exigir garantias alternativas, como acontece no financiamento imobiliário ou de veículos, onde o bem é a garantia”, avalia Carla.

Essa transformação pode influenciar a precificação, os prazos e até o apetite para concessão de crédito. Instituições que já trabalhavam com o conceito de perda esperada tiveram uma adaptação mais rápida, mas outras ainda enfrentam um período de aprendizado, segundo os especialistas.

Para Carla, os bancos também devem acelerar a antecipação de processos de cobrança para evitar que os clientes avancem para estágios mais críticos de inadimplência. “A renegociação preventiva ganha mais relevância nesse novo ambiente, e a capacidade de analisar dados com agilidade será determinante para o sucesso dessa estratégia”, afirma.

“Quanto mais rápido o banco atuar na mitigação do risco, menor será o impacto na necessidade de provisionamento e melhor será a gestão da carteira como um todo”, avalia Bruno.

Mudança estrutural

Além de rever processos, a Resolução 4.966 exige investimentos robustos em modelos analíticos e tecnologias de predição. Embora o mercado brasileiro já seja reconhecido por seu nível de sofisticação tecnológica, a mudança é menos sobre infraestrutura e mais sobre uma transformação na lógica de gestão.

Nesse sentido, o Open Finance pode contribuir com mais dados para análises antecipadas. Mas, segundo Carla, ainda está aquém de seu potencial e não traz impacto substancial no curto prazo.

Na Europa, quando regras semelhantes foram adotadas, o nível de provisionamento subiu expressivamente para os bancos que não ajustaram seus modelos de risco. O Brasil caminha para o mesmo cenário. Quem não se adaptar pode ver os custos com provisões crescerem de forma relevante, de acordo com o estudo.

“Essa é uma mudança regulatória com um impacto muito grande no negócio. Ela afeta como o crédito é concedido, como os produtos são precificados e como o banco se comunica com os clientes. É uma mudança estrutural que exige uma novo atuação”, resume Bruno.

Veja as mudanças mapeadas pelo estudo da Mckinsey

1) Aprimoramento das capacidades analíticas

• Aumento da assertividade dos modelos através de mentalidade prospectiva e revisão de design choices

• Entendimento de impactos por produto e segmento e simulações de mudanças no perfil de carteira/ cenários

2) Fortalecimento de estruturas envolvidas na provisão

• Processo ágil e responsáveis claros para desenvolvimento de modelos, cálculos e simulações

• Integração de visões multidisciplinares para transparência nos reportes regulatórios e financeiros

3) Revisão da arquitetura de dados e sistemas

• Integração entre fontes de dados com histórico e alta capacidade de processamento

• Dados em alta granularidade e qualidade para rastreabilidade e monitoramento do risco do portfolio

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