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Estratégia de IA ainda é desafio no setor jurídico, apesar dos ganhos de eficiência

Apesar dos ganhos de eficiência e redução de custos proporcionados pela adoção da inteligência artificial (IA), a maioria das organizações jurídicas ainda não tem uma estratégia clara para essa tecnologia. Essa é a principal conclusão do relatório “Future of Professionals 2025”, da Thomson Reuters, que mostra uma divisão clara entre os escritórios e departamentos que avançaram com planejamento estruturado e aqueles que seguem adotando IA de forma pontual ou desordenada.

Segundo o levantamento, feito com 2.275 profissionais do setor jurídico e de áreas como compliance, auditoria e tributário em diversos países, apenas 22% das organizações têm uma estratégia de IA visível. Ainda assim, essas instituições têm o dobro de chances de ver crescimento de receita relacionado à IA e 3,5 vezes mais probabilidade de extrair benefícios críticos da tecnologia.

No Brasil, o uso da IA avança em diferentes frentes, mas também com desafios. “O trabalho jurídico está sendo moldado pela IA. Escritórios que não se adaptarem correm o risco de ficar para trás”, alerta Steve Hasker, CEO da Thomson Reuters. Segundo ele, há uma oportunidade de desbloqueio de valor estimado em US$ 32 bilhões só nos EUA com o uso da IA nas áreas jurídica e contábil.

Melhor uso do tempo

O estudo aponta ainda que profissionais que utilizam IA devem economizar em média cinco horas por semana já em 2025. Isso é o equivalente a um ganho anual de até US$ 19 mil por pessoa. Na prática, significa mais tempo para lidar com tarefas complexas e de maior valor agregado para os clientes.

Exatamente isso que está acontecendo no escritório Marcus Valverde Sociedade de Advogados. Segundo o sócio Marcus Valverde, o uso da IA tem sido cada vez mais essencial no dia a dia da banca. “Hoje, as legaltechs oferecem soluções extremamente personalizadas para cada tipo de trabalho, o que nos permite canalizar melhor nosso tempo para questões mais estratégicas, deixando as tarefas repetitivas com a tecnologia”, explica.

Ferramenta de apoio

Mesmo com o entusiasmo pela automação, há consenso entre os profissionais da área sobre a necessidade de cautela. “A IA é uma ferramenta poderosa, mas não substitui o advogado”, afirma Antônio Carlos de Oliveira Freitas, diretor da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

A entidade vem investindo em capacitação e acompanha de perto o debate regulatório. “É preciso cuidado no uso dessas ferramentas, porque já vimos situações em que a IA inventou jurisprudências ou trouxe interpretações erradas da lei. Por isso, o uso deve ser ético e sempre supervisionado pelo o humano”, afirma Freitas.

Essa preocupação também é compartilhada por Matheus França, do escritório Gaia Silva Gaede, que destaca o risco de vieses e uso indevido de dados sensíveis inseridos no sistema de Inteligência Artificial. “Apesar dos ganhos operacionais, é fundamental implementar a IA com governança e responsabilidade”, afirma.

Exatamente por isso que a adoção da IA pela Procuradoria do Estado de São Paulo ainda é incipiente. Segundo Júlio Rogério de Almeida Souza, representante da Procuradoria no Comitê Gestor de Dados, a adoção é vista como inevitável. “Mas não dá para jogar informações sigilosas de processos em sistemas sem controle. A responsabilidade pelas decisões continua sendo do procurador. Porém, os sistemas precisam garantir rastreabilidade e transparência”, afirma.

Adoção desigual na Justiça

Dentro do próprio sistema Judiciário, a adoção ainda é desigual. “A IA já é usada em triagens, análise de jurisprudência e produção de relatórios”, explica Daniel Marques, presidente da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L). Ele cita projetos como o Logos, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e a Apoia, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que já atuam em dezenas de tribunais brasileiros.

Ainda assim, a decisão final permanece com o profissional. “Juízes e advogados devem continuar sendo os responsáveis legais. A IA é apoio, não juízo de valor”, reforça Marques.

Caminho sem volta

A expectativa é que o Projeto de Lei 2338/23, que regulamenta o uso da IA no Brasil, incluindo a parte de governança, avance no Congresso. O texto já foi aprovado pelo Senado e, para virar lei, precisa passar também pelo crivo da Câmara dos Deputados. A proposta classifica os sistemas de IA quanto aos níveis de risco para a vida humana e de ameaça aos direitos fundamentais. Também divide as aplicações em duas categorias como inteligência artificial e inteligência artificial generativa.

Pelo texto, a IA é definida como o sistema baseado em máquina capaz de, a partir de um conjunto de dados ou informações recebidos, gerar resultados como previsão de conteúdo, recomendação ou decisão que possa influenciar o ambiente virtual, físico ou real. Já a generativa é definida como um modelo destinado especificamente a gerar ou modificar significativamente texto, imagens, áudios, vídeos ou código de softwares.

“É essencial que o uso de IA seja transparente e que o cidadão saiba quando está diante de um conteúdo gerado por máquina”, afirma Freitas.

Nos escritórios e tribunais, o avanço da adoção da tecnologia é visto pelos especialistas como um grande desafio, que exigirá a consolidação de boas práticas e garantir que o avanço esteja sempre alinhado à ética, à segurança e à qualidade dos serviços jurídicos.

Apesar do entusiasmo com os ganhos de eficiência, a Thomson Reuters alerta que o maior risco das organizações é não se planejar. Sem uma estratégia clara, o uso da IA pode gerar mais problemas do que soluções. “As empresas precisam alinhar a tecnologia com suas prioridades. Só assim conseguirão inovação sustentada e relevância para seus profissionais”, diz CEO global da companhia.

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