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Sucessos de crítica, mas custos excessivos: qual a estratégia do streaming Apple TV+?

O inexperiente executivo de um tradicional estúdio de cinema precisa contornar as consequências de promover uma festa “à moda da velha Hollywood” (leia-se: consumo de grande quantidade de substâncias e de bebidas alcóolicas e egos inflados que mal cabem no quarto de hotel). A celebração ocorre às vésperas do mais importante evento para o status quo do Continental Studios, prestes a ser vendida à Amazon (AMZO34) caso seus representantes não façam uma apresentação decente sobre seus novos lançamentos.

Pouco antes de subirem ao palco, o presidente do estúdio e suas principais estrelas ainda não se recuperaram da noite passada. É claro, as coisas não dão tão certo assim, e uma tradicional empresa de mídia pode se tornar apenas um departamento de uma gigante da tecnologia.

Essa é a história por trás dos episódios finais da primeira temporada de “O Estúdio”, série produzida justamente pela única big tech além da Amazon a se lançar nas grandes produções hollywoodianas: a Apple (AAPL34).

A ousadia do enredo não é novidade para a Apple TV+, notabilizada em Hollywood como um espaço de liberdade criativa e polpudos cheques nos últimos anos. Foi o que garantiu à empresa fundada por Steve Jobs superar as concorrentes Netflix e Amazon como o primeiro serviço de streaming a ganhar o Oscar de melhor filme por uma produção original com “Coda”, em 2022.

Siân Heder dirige Emilia Jones e Ferdia Walsh-Peelo em “Coda”, disponível no Apple TV+. (Foto: Divulgação/Apple)

Mas isso pode estar se tornando um problema. Em Wall Street e Hollywood, investidores e executivos do setor ainda não conseguem compreender tão bem qual é o papel da Apple TV+ dentro da gigante da tecnologia, e crescem preocupações quanto aos seus gastos em superproduções.

Em uma entrevista recente à Variety, o co-CEO da Netflix (NFLX34), Ted Sarandos, afirmou não entender a estratégia de produções originais da Apple TV+ para além “de uma jogada de marketing”. “Mas eles são pessoas muito inteligentes. Talvez vejam algo que nós não vemos”, afirmou à revista.

O que a Apple quer com seu estúdio?

De fato, a Apple parece ver seu streaming como uma ferramenta para alavancar a venda de outros produtos. Uma ideia é a de que as produções originais da Apple TV+ levariam consumidores a comprarem produtos da marca, como iPhones ou os próprios dispositivos de estante Apple TV, e que serviços como o streaming ajudam a manter os usuários de seus celulares, tablets e computadores engajados na marca.

Além do mais, a própria linha de serviços tem se tornado uma aposta para diversificar o negócio. Em 2024, as receitas líquidas da Apple com serviços — o que inclui conteúdos digitais como música, vídeos e livros, bem como anúncios, App Store, serviços de nuvem e pagamentos — cresceu 13% em relação ao ano anterior, diante da estabilidade em iPhones e queda em iPads e acessórios.

A grande estrela do crescimento em serviços, no entanto, não é a Apple TV+. Segundo a companhia, o aumento na receita líquida se dá principalmente por incrementos em anúncios, App Store e iCloud.

Na verdade, uma recente reportagem publicada pelo The Information citando fontes com conhecimento direto sobre o assunto aponta para perdas na casa de US$ 1 bilhão com o Apple TV+. Segundo a reportagem, não há dados sobre o impacto da estratégia em vendas de dispositivos.

Adam Scott e Britt Lower em “Ruptura,” disponível no Apple TV+. (Foto: Divulgação/APple TV+)

Ted Sarandos é uma das dezenas de participações especiais em “O Estúdio”. Interpretando a si mesmo, é o chefe da Netflix quem dá uma lição ao protagonista Matt Remick, um cinéfilo vivido por Seth Rogen cujo desafio é conciliar o amor pela arte e a cadeira de chefe.

“Eles são artistas, nós somos burocratas”, diz Sarandos a um Remick ansioso pelo reconhecimento de seus subordinados no Globo de Ouro e crente de ser igual a eles. “Se for louco a ponto de achar isso, não diga na frente de um artista de verdade.”

O dilema parece encontrar eco no momento vivido pela Apple TV+. Quando foi fundada em 2019, a área de produções para cinema e séries da empresa contratou Jamie Erlicht e Zack Van Amburg, dois grandes nomes da Sony, para supervisionar todas as novas produções audiovisuais. A aposta era clara: foco na qualidade de produções originais, ao estilo HBO.

Mas à exceção de séries como “Ruptura” e “Ted Lasso”, o streaming gastou rios de dinheiro e não conseguiu chegar perto dos líderes do mercado audiência. Segundo a Bloomberg, a Apple gastou mais de US$ 500 milhões na soma de filmes dos diretores Martin Scorsese, Ridley Scott e Matthew Vaughn, além de outros US$ 250 milhões na minissérie “Mestres do Ar”.

Por outro lado, dados publicados pela Nielsen em junho de 2025 mostram que Netflix e Disney+ (DISB34) têm, respectivamente, 7,5% e 5% do uso total da televisão nos Estados Unidos, no mês em que streamings superaram a soma da participação de TV aberta e TV a cabo. A AppleTV+ tem menos de 1,4% — dados são agregados aos de outros players menores na pesquisa –, atrás até da sua concorrente do setor de tecnologia, a Prime Video, da Amazon.

Leonardo DiCaprio e Robert De Niro em “Assassinos da Lua das Flores”, disponível na Apple TV+. (Foto: Divulgação/Apple TV+)

A Bloomberg diz que em meados de 2024, o chefe da área de serviços da Apple, Eddy Cue, passou a ter reuniões regulares Amburg e Erlicht para tratar sobre orçamentos, estimulando-os a exercer maior controle sobre os custos de projetos. O The Information cita uma redução de 10 vezes no orçamento para conteúdos da Apple TV+, de US$ 5 bilhões para US$ 500 milhões.

Embora os estúdios da Apple não estejam nem perto de representar um grande problema — o benefício de ter o bolso da desenvolvedora do iPhone, cujo lucro líquido é superior a US$ 90 bilhões ao ano –, equilibrar a operação se tornou uma questão mais imediata para a gestão.

Acontece que poucos dados sobre o estúdio podem ser confirmados no balanço. Todas as receitas da companhia na linha de serviços é agregada, e os últimos relatórios não mencionam o desempenho operacional do Apple TV+.

Mais: os olhos dos investidores estão voltados mesmo é para as vendas estagnadas de iPhones, responsáveis por mais da metade das receitas da Apple e aparente baixa capacidade de aproveitar a onda de inteligência artificial em comparação a algumas de suas concorrentes.

Por enquanto, é possível afirmar algo: “O Estúdio”, “Ruptura” e “Ted Lasso” já têm novas temporadas confirmadas.

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