
O movimento 4-Day Week, que começou na Nova Zelândia em 2019 e ganhou força após a pandemia, agora lida com ventos contrários, em meio à volta de políticas de comando e controle em várias companhias. Apesar de bons resultados nos testes no Brasil, a redução da semana de cinco para quatro dias de trabalho perdeu fôlego ao longo do processo. Das 20 empresas que participaram do projeto-piloto, apenas duas mantiveram oficialmente a jornada reduzida até junho deste ano — a maioria acabou optando por modelos híbridos ou flexíveis, nos 5 dias da semana.
O experimento global da semana de quatro dias de trabalho já reuniu mais de 500 empresas em diferentes continentes e se espalhou por vários países da Europa, África e Américas. O modelo ficou conhecido como 100-80-100, porque prevê que o profissional continue recebendo 100% do salário, mas trabalhe 80% do tempo e, em troca, se compromete a manter 100% de produtividade.
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No Brasil, o movimento internacional 4-Day Week Global atuou em parceria com a consultoria Reconnect Hapiness at Work para implementação dos projetos-pilotos. Segundo Renata Rivetti, fundadora da Reconnect, muitas empresas se adaptaram bem durante os testes, com resultados excelentes, mas a maioria optou pela adoção do modelo híbrido. “Os dados em todos foram excelentes, com uma nota final do projeto acima de 9 pontos. Mas esse recuo não significa que a ideia tenha fracassado, só evidencia os entraves que o país enfrenta”, disse.
Segundo a especialista, ainda existe uma barreira cultural forte no país, que ainda discute a jornada 6×1, e a piora do ambiente econômico, fazendo com que muitas empresas voltem ao modelo tradicional na gestão de pessoas. Ela cita ainda a polarização que existe hoje em todo o mundo, principalmente com o discurso conservador que vem dos Estados Unidos.
Por outro lado, ela acredita que as mudanças na gestão de pessoas avançaram muito em várias empresas e diz que quem optou por modelos que constroem cultura de bem-estar estão satisfeitas. “O modelo de controle é um tiro no pé das empresas, porque produz um alto turnover (taxa de rotatividade) de pessoal, além do baixo engajamento, acabando por se tornar um ‘teatro da produtividade’ que leva a uma falsa produção”, afirma a especialista.
A consultora cita ainda a questão do custo alto para treinar um profissional, que pode ir embora a qualquer momento. “Voltar à era do presenteísmo num momento em que assistimos o avanço de tecnologias com IA generativa, que aceleram muito o trabalho, é um absurdo. Mas como todo o mundo está vivendo uma polarização fica difícil”, afirma, citando o fim da diversidade em muitas empresas americanas, que vem se replicando pelo mundo. “O caminho está mais difícil e quem estava fazendo mudanças só por marketing deixou de fazer. Ao mesmo tempo, quem acredita continua fazendo, apesar dos obstáculos, mostrando que o bem-estar não é antagonista aos resultados.”
Diferencial para as pequenas
Para Rivetti, entre as pequenas e médias empresas, por exemplo, a manutenção de alguns desses benefícios podem ser essenciais para ajudar a atrair mais talentos, com o tratamento mais humano. “Entre as empresas que implantaram o sistema, a Mol e Vockan, esse modelo mais humano e flexível de gestão de pessoas levou os trabalhadores a não pensar em sair, mesmo tendo de cumprir metas agressivas, porque o engajamento é maior”.
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Evolução no mundo
Embora no Brasil o modelo da semana de quatro dias esteja andando de lado, o cenário internacional sinaliza que o movimento é uma tendência que segue forte. Desde que foi iniciado na Nova Zelândia, a redução de jornada já conquistou adesão em diversos países, com evidências de ganhos reais em saúde mental, engajamento e até receita.
Na Islândia, entre 2015 e 2019, testes reduziram a carga horária de 40 para 35–36 horas semanais sem corte salarial. O resultado? Produtividade mantida ou aumentada, bem-estar elevado e, desde então, cerca de 50 % da força de trabalho já adotou a semana de quatro dias. Países como Bélgica já incorporaram o modelo via lei, permitindo condensar a carga horária em quatro dias com direito a “desconectar” após o expediente.
No Reino Unido, o experimento envolveu mais de 3 mil funcionários, sendo um dos maiores do mundo, resultando em ganhos de receita de até 36%, além da adesão de 92% das empresas participantes. Já em Portugal, um piloto governamental com 41 empresas gerou relatórios com bons indicadores de atração de talentos, queda em absenteísmo e aumento de receita; e na Alemanha, testes recentes sinalizam que 73% das companhias que participaram querem manter o sistema.
Nos Estados Unidos e Canadá, um estudo mostrou redução de 69% no burnout, queda de 32% na rotatividade, incremento de 15% na receita e 95% dos colaboradores relataram vontade de continuar com a nova rotina. E um levantamento global mais recente, com quase 2.900 pessoas de seis países, também mostrou dados semelhantes: 67% menos burnout, 41% melhor saúde mental, 38% mais qualidade do sono — tudo isso enquanto 52% dos participantes se sentiram mais produtivos.
No Japão, mesmo com uma cultura laboral rígida, Tóquio lançou o modelo em abril de 2025 para servidores públicos, com o objetivo de apoiar a maternidade, a produtividade e combater o “karoshi” (morte por excesso de trabalho). Enquanto isso, na Austrália, sindicatos e o governo debatem adoção do modelo como política de bem-estar e produtividade, com estudo mostrando efeitos positivos nos participantes.
Por todos esses resultados, a consultora Renata Rivetti diz que ainda está otimista. “Acho que os resultados demonstram que a questão de qualidade de vida é fundamental para as empresas e isso não tem volta, e as tecnologias estão ai para ajudar a tornar a redução de trabalho viável”, disse.
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