Pular para o conteúdo principal

Como Maduro usa criptomoedas na Venezuela para enfrentar as sanções de Trump

A campanha de pressão dos Estados Unidos contra o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, está apagando a breve recuperação econômica do país, levando muitos venezuelanos a se prepararem para mais uma crise econômica.

O aperto das sanções americanas neste ano fez a inflação voltar para dígitos triplos, provocou uma queda livre da moeda nacional, agravou os apagões e levou governo, empresas e cidadãos a acumular dólares e cortar gastos.

Leia também: Brasil está disposto a ajudar na crise entre EUA e Venezuela, afirma Lula

Para os venezuelanos de todo o espectro político, os sinais crescentes de uma recessão econômica revivem memórias de dificuldades que muitos esperavam ter deixado para trás.

Na última década, a Venezuela passou pela recessão mais profunda de qualquer nação moderna fora de uma zona de guerra. Uma combinação de políticas econômicas desastrosas, corrupção e sanções dos EUA criou uma hiperinflação prolongada, colapsou serviços básicos, aumentou a desnutrição e levou milhões a migrar para escapar da extrema pobreza.

Maduro respondeu com uma combinação de repressão política e uma reformulação econômica de mercado livre. Essas medidas estabilizaram os preços, impulsionaram o crescimento e tornaram a vida mais suportável para a maioria dos venezuelanos, às custas da eliminação dos últimos direitos democráticos remanescentes.

A decisão da administração Trump, em julho, de definir o governo de Maduro como um cartel de drogas e iniciar uma série de medidas militares e econômicas destinadas ostensivamente a impedir o fluxo de drogas da Venezuela está revertendo esses ganhos econômicos.

Economistas estimam que a taxa de inflação anual da Venezuela aumentará de 50% para 600% este ano, e os preços podem começar a subir exponencialmente — um cenário conhecido como hiperinflação — em 2026. O país entrará em recessão no próximo ano, com a previsão de que a economia deve encolher 3%, segundo o Fundo Monetário Internacional.

O principal movimento de oposição da Venezuela e seus aliados na administração Trump apostam que uma crise econômica, combinada com a agressiva campanha militar dos EUA no Caribe, fragmentará o governo venezuelano e encerrará 25 anos do regime agora liderado por Maduro.

Eles veem a piora das condições de vida na Venezuela como um custo inevitável e de curto prazo para restabelecer a democracia.

Mas a maioria dos economistas e empresários venezuelanos entrevistados em Caracas para esta reportagem argumenta que Maduro está muito mais preparado para esta rodada de pressão externa. Eles falaram e compartilharam dados sob anonimato para se proteger do governo venezuelano e de possíveis sanções dos EUA.

Pouco depois da vitória de Donald Trump, o governo da Venezuela autorizou o funcionamento das primeiras exchanges de criptomoedas do país, abrindo caminho para uma mudança mais ampla em direção a ativos financeiros fora do alcance das sanções tradicionais.

Hoje, a Venezuela vende a maior parte de seu petróleo para a China, recebe pagamento em criptomoedas e depois redireciona parte dessas receitas para a economia nacional por meio das exchanges de criptomoedas autorizadas.

Em questão de meses, essas medidas transformaram a Venezuela em, possivelmente, o primeiro país a gerenciar uma grande parte de suas finanças públicas com criptomoedas.

Ao mesmo tempo, a vice-presidente e czarina econômica de Maduro, Delcy Rodríguez, está privatizando os recursos naturais da Venezuela para aumentar a receita de exportação, incluindo a entrega de dezenas de pequenos campos de petróleo em declínio a investidores privados.

Isso ajudou a produção de petróleo a crescer 12% este ano, aumentando os ganhos do país em moeda estrangeira.

Esses sinais de resiliência levaram alguns economistas e empresários a argumentar que Maduro poderia impedir que a recessão iminente se transforme em colapso. Outros especialistas apontam que ele tem histórico de resistir a crises financeiras.

“Se há um país que prova que, se você colapsar sua economia, isso não muda seu governo, é a Venezuela”, disse Francisco Rodríguez, economista venezuelano que estuda sanções na Universidade de Denver. “Quando o país fica mais pobre, o governo não se enfraquece.”

Os problemas econômicos atuais da Venezuela começaram com a decisão da administração Trump de mudar as regras que regem as operações das empresas de petróleo ocidentais na Venezuela.

A maior produtora privada de petróleo da Venezuela, a Chevron, com sede nos EUA, até março vendia o petróleo bruto de seus projetos venezuelanos para os Estados Unidos e entregava a parte da Venezuela em dólares a bancos privados locais.

Esses bancos distribuíam os dólares aos clientes corporativos, permitindo que pagassem por importações e impulsionassem o crescimento econômico.

No ano passado, a Chevron injetou quase US$ 2,4 bilhões na economia venezuelana, cerca de um terço de toda a oferta de moeda forte do país naquele ano.

A revisão do licenciamento da Chevron pela administração Trump acabou com essas injeções de moeda.

A partir de agosto, a Chevron teve que entregar metade de sua produção venezuelana para a estatal PDVSA, em petróleo.

Esse petróleo se somou ao grosso das exportações de petróleo bruto venezuelano que a PDVSA já vendia à China sob esquemas de pagamento similares.

As novas regras operacionais da Chevron reduziram a lucratividade das exportações de petróleo venezuelano, porque a PDVSA precisa oferecer descontos e pagar intermediários para contornar as sanções.

Mas essas novas regras também dão a Maduro maior controle sobre a economia, ao concentrar sua mão sobre a quantidade reduzida de moeda forte que ainda entra no país.

Diante da ameaça militar dos Estados Unidos, a equipe econômica de Rodríguez decidiu sacrificar o crescimento e construir reservas financeiras. Cortaram gastos públicos e reduziram drasticamente a parte das reservas usadas para defender a taxa de câmbio oficial do bolívar, a moeda nacional.

Em vez disso, o governo tentou proteger a moeda por meio da repressão. Pelo menos oito economistas foram presos por publicar dados negativos, dezenas de outros foram detidos por divulgar a taxa de câmbio do mercado negro, e lojas e restaurantes foram revistados para garantir que vendessem produtos pelo câmbio oficial. Mesmo assim, o bolívar continuou caindo.

No entanto, mesmo enquanto reprimia o mercado negro de câmbio, o governo estava silenciosamente se tornando seu jogador dominante. Este ano, o governo começou a canalizar parte das receitas do petróleo para a economia por meio das duas exchanges de criptomoedas autorizadas, que podem negociar bolívares a uma taxa de câmbio mais fraca.

Essa brecha legal permitiu que o governo mantivesse a atividade econômica, ao custo de aumentar a taxa de inflação.

c.2025 The New York Times Company

The post Como Maduro usa criptomoedas na Venezuela para enfrentar as sanções de Trump appeared first on InfoMoney.



source https://www.infomoney.com.br/business/global/como-maduro-usa-criptomoedas-na-venezuela-para-enfrentar-as-sancoes-de-trump/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Após fim do EMBI+, novo indicador desponta como alternativa para medir risco

Qual o melhor termômetro para medir a volatilidade e os riscos de investir no Brasil (e em outros países)? Um bom caminho usado até meados do mês de 2024 era o Embi+, calculado pelo JPMorgan. Esta era a sigla para Emerging Markets Bond Index Plus, que significa Índice de Títulos de Mercados Emergentes Mais, basicamente medindo o desempenho de títulos públicos de economias emergentes. O índice auxiliava os investidores na compreensão do risco de investir em determinado país. Quanto mais alto fosse, maior seria o risco. A unidade de medida usada era ponto-base, trazendo a diferença entre a taxa de retorno dos títulos de países emergentes e a oferecida por títulos emitidos pelo Tesouro americano. A diferença constituía o spread, sendo essencialmente o Country Risk Premium, ou o Prêmio de Risco País. Contudo, o índice foi descontinuado em julho de 2024, fazendo com que o mercado perdesse uma boa referência sobre investimentos nos países emergentes. Uma alternativa a ser pensada num pr...

Dow Jones Futuro cai com temor de recessão e expectativa por decisão de juros nos EUA

Dow Jones Futuro recua com temor de recessão e expectativa por decisão de juros nos EUA Os índices futuros dos EUA operam em baixa nesta segunda-feira (17), com investidores à espera da decisão do Federal Open Market Committee (FOMC), que se reúne nesta semana. A expectativa é de que o Federal Reserve (Fed) mantenha a taxa de juros no intervalo atual, entre 4,25% e 4,50%. No entanto, o mercado já precifica um possível início do ciclo de cortes a partir da reunião de 18 de junho. Segundo a ferramenta FedWatch, do CME Group, há uma probabilidade de 57,7% para um corte de 25 pontos-base nessa data, com projeção de pelo menos mais um ajuste da mesma magnitude até o fim do ano. Também pesa sobre o mercado o comentário feito pelo secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent , no domingo sobre não haver “nenhuma garantia” de que a maior economia do mundo evitará a recessão, apenas uma semana após o presidente dos EUA, Donald Trump, ter se recusado a descartar uma possibilidade. Estados Un...

Nova tabela progressiva do IR atualiza faixa de isenção da PLR; veja o que muda

Com a atualização da base da tabela progressiva para o Imposto de Renda, a Receita Federal também ajustou a tributação para quem ganha a Participação nos Lucros ou Resultados (PLR) das empresas. Em fevereiro, o governo federal aumentou a primeira faixa da tabela progressiva do IR para o ano que vem, que subiu dos atuais R$ 2.640 para R$ 2.824 — o dobro do salário-mínimo em vigor em 2024 (R$ 1.412). Depois, através de uma instrução normativa, atualizou também a primeira faixa da tabela para PLRs. A mudança está válida desde fevereiro deste ano e passa a impactar os valores informados na declaração de IR 2025. A PLR é um valor pago de “bônus” aos profissionais e fica retida na fonte, ou seja, é tributada antes de cair na conta do beneficiado. A faixa de isenção atual da PLR é de R$ 7.404,11 e passará a ser de R$ 7.640,80. As outras faixas de tributação permanecem iguais. Veja a tabela válida para o IR 2025: Valor do PLR anual (em R$) Alíquota (%) Parcela a Deduzir do impos...